terça-feira, 3 de março de 2009

Afundação - A Febem dentro das muralhas

Elaborei este TCC em 2006, ano em que me formei em Jornalismo, achei que um trabalho bem desenvolvido poderia abrir várias portas no meio da comunicação, bom, aí estava meu primeiro engano. Nada pode competir com bundas, peitos e indicações. Apesar de não ter encontrado vagas para jornalista imparcial, não me arrependo em momento algum das decisões que tomei. Dá-lhe concurso público de novo.
Boa leitura.



Capítulo 1 - O primeiro dia

21 de Dezembro de 2001, 6h50 da manhã. Eu dirigia um velho Del Rey prata, que pertencia ao seu pai, por uma estrada de terra tão estreita que, em alguns trechos, dois carros não passariam juntos sem deixar os retrovisores no chão como espólios de guerra. O barranco com pouco mais de três metros de altura acompanhava quase toda a extensão da estrada como um pequeno canyon. Em uma parte mais baixa do trajeto, a água das chuvas formava uma pequena lagoa que servia de bebedouro para pequenos animais, dali já era possível enxergar uma caixa d’agua em formato cilíndrico que servia como ponto de referência para localizar a Febem.
Estacionei o veículo em frente a um canteiro mal cuidado onde alguns pequenos tufos de mato cresciam sem qualquer simetria. No centro, um poste de iluminação solitário servia como um cartão de boas vindas. Ainda dentro do carro eu observava uma imensa muralha chupiscada de oito metros de altura, no canto esquerdo um portão grande e azul identificava o que poderia ser entrada de veículos, logo ao lado estava uma pequena guarita com vidros largos onde podia observar, dentro dela, duas pessoas com fardas azuis.
Desci do carro não muito convicto, caminhei com passos curtos e lentos até a pequena porta eletrônica, imaginava se não seria melhor deixar aquilo tudo e voltar para a segurança da minha casa. Um vigilante acenou de dentro da guarita pedindo que me comunicasse pelo interfone. Após a identificação feita e confirmada na relação de novos funcionários, a porta se abriu com um ruído elétrico revelando um pequeno corredor que não deveria ter mais de um metro e meio de largura e três de comprimento. O vigilante, após uma breve apresentação pessoal, explicou alguns procedimentos de revista a serem feitos, os quais não passavam de algumas batidas nas laterais das pernas e cintura. A saída do pequeno corredor ficava próxima da caixa d’agua que servia de referência e mais uma muralha se erguia à direita, um pouco mais baixa que a primeira. Segui caminhando por uma calçada. Do lado esquerdo existia um cercado de grades metálicas azuis com um portão. Dentro dele estava um furgão tipo Van estacionado. Um pequeno trecho cimentado mostrava que os veículos poderiam seguir um pouco mais adiante, do outro lado, onde deveria ser um jardim, apenas terra vermelha e muitas pedras. O silêncio era desesperador, como se caminhasse direto para algum tipo de emboscada como nos antigos filmes de bang-bang que meu pai assistia. Às vezes sentia que era observado por uma matilha faminta aguardando o momento certo para atacar sua presa.
Caminhando mais alguns metros, cheguei até um prédio menor, uma porta dupla metade acrílico metade metal dava acesso ao prédio e a um corredor de 15 metros, por sua extensão algumas portas distribuídas, era o prédio onde funcionava a parte burocrática. Do lado direito, acima de cada uma delas lia-se “Secretaria”, “Administrativo”, “Técnicas” “banheiros”, “copa” e ao fundo uma porta dupla de metal onde lia-se “Cozinha”, no outro lado do corredor estavam os banheiros designados á direção, um relógio de ponto e um mural, mais adiante o refeitório dos funcionários.
Ali um velho conhecido me aguardava. Cachimbão era um dos coordenadores de turno, ganhou o apelido pelo seu status entre os demais funcionários e por ser o mais antigo na função. Não deveria ter mais que 1,77 metros de altura, cabelos loiros e curtos, a impressão de ser forte foi comprovada com um aperto de mão que mais parecia um espremedor de limões massacrando um pequeno taiti, isso me fez lembrar da lenda onde dizia que o coordenador derrubava um boi com as mãos, talvez não fosse exagero.
- Iaê Japa, firmeza?
Um aceno com a cabeça foi o suficiente para demonstrar a “firmeza” que sentia naquele momento.
Nunca havia entrado em um lugar daqueles, tudo ali parecia novidade, juntei-me a um grupo de cinco pessoas, nos sentamos no chão próximo à porta de acesso ao prédio administrativo, éramos todos funcionários novos, trocamos poucas palavras, todos pareciam um tanto receosos com a idéia de trabalhar naquele lugar, mas já que prestaram o concurso, não havia outra opção, afinal, não foi a Febem que os recrutou em casa ou quando tomavam um choppinho em um happy hour. Os outros novatos eram de profissões diferentes do setor de segurança como taxista ou vendedor de colchões, apenas dois haviam trabalhado como vigilantes em empresas e boates. Nos entregaram algumas folhas xerocadas onde lia-se “Regras e Normas”, ali constava tudo o que se podia ou não fazer dentro da unidade, nada de muito interessante naquele momento, estávamos mais preocupados em observar aquele local. Cachimbão veio ao encontro do grupo.
- Eaê rapaziada, vamo acordá os vagabundos?



As escovas de dentes descartáveis, mas que deveriam durar mais de 2 meses, eram guardadas em furos feitos nas paredes dos módulos. Por motivos de segurança, uma vez que internos afiam seus cabos a fim de fazer pequenas lanças de plástico, por outro lado, higiene zero. cada interno identifica sua escova de acordo com a numeração colocada acima, fixada por um pedaço de fita adesiva.

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